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HOL: Um RPG Satírico sobre um Futuro Distópico

Um mergulho em um futuro grotesco com humor corrosivo e regras caóticas.

Fonte: Divulgação

Os RPGs de Mesa, em sua essência, costumam ser jogos profundos e sérios, mesmo que seu grupo de jogo pareça uma trupe improvisada de Monty Python. O fato é que são jogos guiados por regras, construção de mundos e construção de personagens, incluindo muitos “combos” e otimizações para tornar a jogatina mais técnica.

Nos anos 1990 alguns jogos decidiram ir para um caminho bem diferente. Ao invés da seriedade e consistência, abraçaram o humor, a paródia e a sátira, tirando sarro da seriedade dos jogos mais tradicionais. Títulos como Paranoia, Murphy's World, Toon e Og The Caveman (que foi distribuído gratuitamente pela Devir em alguns eventos há muitos anos) trouxeram uma dose bem-vinda de humor, desafiando as convenções estabelecidas.

Foi nesse cenário que a Black Dog Game Factory, um selo da White Wolf, editora responsável pelos jogos da linha Storyteller, voltado para jogos adultos, lançou HOL. Criado por Todd Shaughnessy, Daniel Thron e Chris Elliot, o jogo nos transporta para um futuro grotesco, onde a humanidade colonizou a galáxia e criou o planeta HOL, uma prisão cósmica onde toda a escória da sociedade é despejada.

Fonte: Divulgação

HOL é a sigla para "Human Occupied Landfill" (Aterro Ocupado por Humanos), um lugar onde o lixo e a imundície se acumulam, dividindo espaço com humanos banidos e criaturas mutantes em uma paisagem macabra. Esse local é infestado dos mais diversos tipos sociais desajustados, num cenário de extrema decadência moral e social.

Como livro, HOL é uma obra peculiar. Todo o manual é escrito em uma fonte cursiva, como se fosse manuscrito. Tabelas? Referências? Layout organizado? Esqueça. O livro é uma mistura de textos que divagam sobre o que está sendo contado, com comentários nos cantos das páginas e trechos quebrados e espalhados. Inclusive o primeiro grande charme desse jogo é esse layout confuso e desorganizado, uma vez que um texto pode ser interrompido por uma propaganda e retornar ao normal após muitas páginas.

O conteúdo é recheado de humor negro. O livro não faz questão de ser politicamente correto; pelo contrário, ele zomba das convenções do gênero, dos tropos do cyberpunk, do sexismo, racismo e de tudo o que hoje seria considerado ofensivo. Por essa razão, acredito que muita gente teria horror a parte do conteúdo com tendências homoeróticas ou mesmo com insinuações pesadas contra padres que gostam de rapazes mais novos.

Fonte: Divulgação

As mecânicas de jogo (ou "mecânicas", como preferem chamar) não são nem um pouco convencionais, refletindo uma abordagem intencionalmente desequilibrada e satírica às regras de RPG. Tanto que não existe geração de personagens no livro básico, oferecendo uma variedade bizarra de personagens pré-gerados, que incluem paródias ao Elvis Presley, Mickey Mouse e Surfista Prateado. O suplemento The Buttery Wholesomeness introduz um sistema de criação de personagens, onde os jogadores escolhem Totems que determinam a personalidade e habilidades dos personagens.

Este sistema parodia jogos clássicos como Traveller, com a possibilidade de que os personagens morram durante a criação, dependendo do resultado nos dados. As mecânicas incluem cinco atributos principais: Greymatta (intelecto, que é uma versão para o termo Massa Cinzenta, em inglês), Meat (força), Feets (destreza), Mouth (carisma) e Nuts (força de vontade, uma vez que nuts pode ser traduzido como “culhões” ou “bolas”), cada um com habilidades tão absurdas quanto violentas, sobretudo aquelas que envolvem combates.

Fonte: Divulgação

A resolução de tarefas em HOL é determinada por uma rolagem de 2d6, onde os resultados são fortemente influenciados pelos caprichos do HOLmeister, nome pelo qual é chamado o Mestre de Jogo. Os valores de dificuldade, tais quais existem em jogos como Vampiro: A máscara, com descritores hilários para cada valor apresentado.

O combate é brutal e exagerado, com regras detalhadas para ataques corpo a corpo e à distância, além de um sistema de dano único que reforça o humor sombrio do jogo. Existe uma medida de dor chamada Angústia, com  um nível descrito como “Grampear seu dado” a quinze, que é descrito como “Exposição a pressão zero ou ouvir Julio Iglesias por mais de dez minutos). No geral, é complexo, imprevisível e propositalmente brutal, refletindo perfeitamente o mundo anárquico e satírico que habita.

Sim, esse jogo é realmente agressivo. Fonte: Divulgação

Em HOL, sobreviver é a maior recompensa. Um HOLmeister generoso pode conceder P.R.I.C.Kudos aos jogadores, que podem aumentar um ponto de habilidade ou adicionar uma nova habilidade de primeiro nível. P.R.I.C.Kudos significativos podem até aumentar um atributo em um ponto. Outro recurso importante é a "Grace of God" (Graça de Deus),definida com pontos que permitem aos jogadores invocar intervenção divina com "Por Favor Jesus" para escapar de perigos. Esse valor, contudo, não é de conhecimento dos jogadores e se não houver pontos de GoG restantes, ganham um ponto de "Wrath of God", levando a um destino catastrófico. O sistema destaca a autoridade absoluta do HOLmeister para alterar os resultados do jogo à vontade.

Essa é uma das páginas do jogo. Fonte: Divulgação

Ironicamente, HOL foi bem recebido pela crítica quando foi lançado. Alguns destacaram que o jogo trouxe uma sátira contundente à indústria de RPG e aos RPGs de mesa tradicionais. Diferente de outros jogos satíricos como Paranoia ou Toon, HOL é abertamente caótico e aponta os tropos mais absurdos dos RPGs de Mesa, incluindo a ausência total de mulheres no jogo, com a explicação de que "nenhuma mulher foi tão estúpida ou azarada até agora", para deixar claro que os alvos das zombarias eram sempre homens brancos e, por conta disso, o jogo também evita promover mulheres em armaduras de biquíni ou zombar de estereótipos raciais ou sexuais.

Infelizmente, HOL não recebeu suporte suficiente para continuar ou ter reimpressões, até por sua natureza ser muito pouco convidativa. No entanto, o jogo permanece como uma sátira única, não apenas dos RPGs de mesa, mas também da ficção, cultura pop e inúmeros estereótipos. Embora seu humor provocativo possa ofender alguns leitores modernos, aqueles que conseguem apreciar o espírito anárquico de HOL provavelmente acharão o jogo altamente divertido.

Inclusive tenho a minha cópia aqui comigo e sempre que me sinto para baixo, dou uma lida e gostosas risadas.


Sobre o Autor:
Fabio Melo

Formado em Letras, especialista em Língua Portuguesa e Literatura, além de alguns cursos aqui e ali sobre língua inglesa. Possuo um site / podcast para falar de música alternativa, faço umas músicas experimentais ruins e sou aficionado por RPG e jogos analógicos (vulgo jogos de tabuleiro).


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