Satyrianas: Uma Saudação à Primavera
24ª Edição - Re-Existir no Zé- Fênix.
Divulgação |
Nos anos 2000, tive o privilégio de assistir à peça
"120 Dias de Sodoma", dirigida por Rodolfo Garcia Vázquez. Foi um
momento de identificação imediata com a companhia, um verdadeiro encantamento
que abracei por completo. O elenco, a direção, a trilha sonora de Erik Satie e o
espaço subterrâneo do Satyros 2, que mais tarde se transformaria na Estação
Satyros, tudo isso me cativou profundamente. Era mais do que um espaço
underground; era um espaço de contestação, o lugar onde sempre desejei estar.
Não demorou muito para me inscrever em uma oficina no
Satyros e, posteriormente, no Núcleo Experimental do Satyros. Essa experiência
gerou diversos trabalhos e culminou em minha participação no elenco de
"Satyricon", sob a primorosa direção de Rodolfo. Logo naquela época,
participei da minha primeira Satyrianas, um evento do qual nunca mais quis me
desligar.
Minha conexão com a Companhia de Teatro Os Satyros e as
Satyrianas plantou um jardim em minha alma, um jardim que cuido com carinho a
cada dia. Foi nas Satyrianas que iniciei minha jornada como performer,
expandindo as possibilidades da minha expressão como atriz. Tornei-me não
apenas uma atriz, mas, também uma performer, dramaturga e roteirista. Tudo
começou com a Companhia de Teatro Os Satyros, a SP Escola de Teatro e as
Satyrianas.
As Satyrianas é reconhecida como um dos maiores eventos
culturais e festivais da América Latina. A Maratona Cultural Satyrianas, uma
celebração da primavera, oferece 78 horas ininterruptas de programação,
abrangendo teatro, performance, cinema, literatura e música. É um evento
oficial no calendário da cidade e do estado de São Paulo, com uma projeção
internacional. Milhares de artistas de todo o Brasil participam anualmente, e
intercâmbios culturais são promovidos com instituições na Suécia, Cabo Verde,
Finlândia, Portugal e Croácia.
O que mais admiro nas Satyrianas, além da sua impressionante
potência como festival, é o seu caráter libertário e a promoção da arte de
todos os artistas. É também uma oportunidade única para conhecer pessoas
incríveis que podem abrir portas para futuros projetos criativos.
Na 24ª edição das Satyrianas em 2023, aconteceu uma grande homenagem , um tributo a Zé Celso Martinez Corrêa. Com o tema: Re_Existir no Zé
Fênix . Houve uma exposição notável ocupou o saguão da SP Escola de Teatro,
ressaltando a transcendência única de Zé Celso, que desafia qualquer definição
ou elogio convencional. Seu legado, imponente como um gigante, perpetuará o
Teatro Oficina por gerações a fio. Aqueles que tiveram a oportunidade de
participar das Satyrianas de 2023 se sentiram tocados e inspirados por sua
presença. Evocamos com gratidão a memória de Zé Celso, um verdadeiro ícone do
teatro. Foram 86 horas ininterruptas de programação. Com 12 locais de
apresentação, entre eles, Espaço dos Satyros, Cine Satyros Bijou, SP escola de
Teatro, Parlapatões, Presidenta, Galeria Olido, Parque Augusta, Cia Ator, Teatro
Oficina, e a tenda da Praça Roosevelt.
Com mais de 400 atrações. E a abertura da edição das
satyrianas, foi no teatro Oficina, com a peça
modernista de Flávio de Carvalho, O Bailado do Deus Morto.
A Companhia de Teatro Os Satyros foi fundada em 1989 na
cidade de São Paulo por Rodolfo Garcia Vázquez e Ivam Cabral. Neste mesmo ano,
a companhia assumiu a direção do Teatro Bela Vista. Com a estreia de
"Saló, Salomé" em 1991, Os Satyros começou a aprofundar sua pesquisa
teatral.
O espetáculo participou do Festival Fitei em Portugal e do
Festival Castillo de Niebla na Espanha. Posteriormente, a companhia estabeleceu
uma sede em Portugal. Em 1994, com o retorno ao Brasil, inicialmente se
instalaram em Curitiba, e a partir desse momento, o grupo trabalhou entre o
Brasil e Portugal.
Em 1997, eles dirigiram várias produções na Instituição
Alemã Interkunst, localizada em Berlim. Finalmente, em 2000, a companhia se
estabeleceu na Praça Roosevelt, sendo responsável pelo processo de
revitalização desse local, que antes era considerado perigoso. Pouco a pouco,
outras companhias também se juntaram à Praça, transformando-a em um centro de
efervescência cultural muito significativo.
Em 2022, Os Satyros inauguraram a sala de cinema Cine Satyros Bijou, batizada em homenagem a Patrícia Pillar. Com 34 anos de existência, mais de cem peças de teatro apresentadas em 37 países e inúmeros prêmios recebidos, incluindo os prêmios Shell, APCA, Mambembe, Apetesp e o Governador do Estado do Paraná.
Imagem / Satyros |
Rodolfo Garcia Vázquez e Ivam Cabral são verdadeiros mestres, destacando-se como brilhantes no mundo do teatro e da cultura. São os visionários por trás de uma companhia renomada, agraciada com prêmios e celebrada internacionalmente, além de serem os fundadores e guias da prestigiada SP Escola de Teatro. A vastidão de realizações em seus currículos é de tal magnitude que descrevê-las integralmente demandaria um tempo considerável. Obras poderosas como "Filosofia de Alcova," "120 Dias de Sodoma," "De Profundis," "Sappho de Lesbos", "Transex" e "Justine", e atualmente, as Bruxas de Salém, são apenas algumas das pedras preciosas em sua coroa artística.
Além do teatro, seus talentos se estendem a outras mídias, abrangendo desde livros a filmes, demonstrando um domínio incomparável no mundo das artes. Para mim, o contato com o universo dos Satyros sempre representou um espaço de intensa troca e aprendizado, um terreno fértil onde floresci como atriz e criadora. Ao longo do tempo, minha trajetória artística transcendeu os limites das quatro paredes, graças a essa inestimável conexão com o legado de Rodolfo Garcia Vázquez e Ivam Cabral.
A Praça Roosevelt
A Praça Roosevelt, projetada durante a gestão do prefeito
José Vicente Faria Lima em 1968 e concluída em 1970, foi inaugurada como um
presente do governo à cidade de São Paulo por ocasião do seu 416º aniversário.
O Cine Bijou, que abriu suas portas em 1962, tornou-se o epicentro do
"cinema de arte" na cidade, atraindo criadores de todas as áreas.
Contudo, a partir de meados da década de 1980, a praça começou a degradar-se,
tornando-se alvo de novos projetos por parte dos governos subsequentes. Atualmente,
a Praça Roosevelt é marcada pela presença de renomados grupos teatrais, como os
Parlapatões e o Teatro dos Satyros. Ela já foi inclusive tema de uma peça
escrita pela dramaturga alemã Dea Loher, intitulada "A Vida na Praça
Roosevelt". A praça ainda estimula a formação de grupos que batalham por
sua preservação como um espaço de lazer e cultura. Recentemente revitalizada, a
atual administração tem trabalhado para adaptar a área de modo a acolher as
diversas gerações e comunidades que habitam o centro da cidade.
Lembro-me da Praça nos anos 80, quando eu ainda era
estudante de Teatro. Era considerada um local perigoso naquela época. Havia um
supermercado que, posteriormente, foi desativado. No entanto, graças ao teatro,
a Praça passou por um amplo processo de revitalização, tornando-se um polo de
cultura e diversão. Hoje, é um espaço onde skatistas praticam seu esporte,
moradores e artistas transitam livremente. O que mais aprecio na praça
é a vista da Torre da Igreja da Consolação. Parece um cenário digno de um filme
de Godard.
É inegável concluir que o Teatro e o público desempenharam um papel crucial na ressurreição da Praça Roosevelt. Transformando a praça de um estado quase ruinoso em um verdadeiro oásis. Um autêntico oásis que ressurgiu das cinzas, ascendendo de um estado quase infernal a um lugar abençoado pelos deuses.
O Artista e sua Arte nas Satyrianas
Nas ruas tumultuadas e palcos improvisados das Satyrianas,
um evento anual dedicado à expressão artística livre e diversa, um artista
criativo se destaca como uma centelha de originalidade e inovação. Seu nome,
que ecoa entre os amantes das artes, é um sinônimo de imaginação desenfreada e
talento desbravador.
No coração do evento, entre as multidões de artistas e
espectadores, este artista criativo transforma cada esquina, cada espaço vazio
em uma tela para sua expressão artística única. Seja através da performance, da
música, Teatro, literatura, cinema,ou qualquer outra forma de arte que se
proponha a explorar, sua paixão.
Um dos elementos mais impressionantes desse artista nas
Satyrianas é sua habilidade de transcender barreiras e criar conexões
emocionais com o público. Algo visceral.
A criatividade deste artista não conhece limites, e a sua
capacidade de se adaptar e evoluir é verdadeiramente inspiradora. Experimentando
e ousando, desafiando as convenções e abrindo novos caminhos para a expressão
artística. É uma celebração da liberdade de
pensamento e da coragem de desafiar o status quo.
No entanto, por trás de toda essa criatividade selvagem e
desenfreada, também reside um profundo comprometimento com a arte e com a
mensagem que deseja transmitir. O artista nas Satyrianas não é apenas um
criador, mas um contador de histórias, um provocador de reflexões e um
catalisador da mudança.
Ah, os encontros dionisíacos! O que mais me encanta nas
Satyrianas são os momentos compartilhados com pessoas incríveis, colegas que
trilham o caminho da arte ao meu lado. E, claro, os encontros mágicos que
permeiam o festival. São tantos aprendizados que parecem verdadeiros presentes
dos Deuses.
A celebração vai além da Arte, abraça o teatro, a música, a
dança, a performance, a literatura, a dramaturgia, o cinema, mas, acima de
tudo, celebra a Arte no Mundo. Em tempos apocalípticos, com tantas tragédias e
guerras, vemos crianças, idosos, adultos, todos partindo de maneira injusta, em
uma guerra sem vencedores, apenas um banho de sangue em um cenário sombrio.
No entanto, é a Arte que nos mantém esperançosos. Ela
continuará a ser o bálsamo da humanidade. Durante minha performance," Tinta e Despedidas" , ao lado da minha querida amiga, Nalu Liraci, companheira em tantos projetos e irmã de alma, eu segurava um cartaz que dizia: "O mundo acabou!! Escreva uma mensagem para
alguém especial em sua vida...". Um homem , morador de rua, parou, olhou para o cartaz e
então questionou: "Moça, se o mundo acabou, por que eu deveria escrever
uma mensagem?"
Após refletir sobre nossa breve conversa, acredito que ele
quis deixar claro que se sente morto para o mundo, invisível em meio aos
artistas e transeuntes da praça. Caminhou lentamente, segurando um pedaço de
papelão, e se foi. Isso me fez pensar que se a Arte naquele momento não
conseguiu tocar a alma de alguém sem esperança, alguém que se sente adormecido
para o Mundo devido a diversas tragédias pessoais, então o trabalho do artista
é incessante, como o mito de Sísifo, subindo a montanha com sua pedra, vendo-a
cair e retornando para recomeçar.
Esta é a missão da arte: tocar, transformar, transmutar,
gerar, causar, acolher, ouvir, existir, resistir, coexistir. Foi justamente em encontros de
almas como esse que conheci, neste ano, Teresa Ricco, uma bailarina, coreógrafa
e performer. Com sua performance : “Precisas Emoções e quero ir antes “, na praça, com a trilha de, Ave
Maria de Charles Gounod. Enquanto dançava e desfiava seus tecidos brancos,
havia algo de catártico entre os rasgos e a reconstrução, algo que lembrava
Pina Bausch e Marina Abramovich.
Me remeteu a uma frase de Guimarães Rosa: " A vida é um rasgar-se e remendar-se"....
Eu e Nalu Liraci ficamos hipnotizadas pelo seu trabalho. Ao
terminar sua apresentação, fomos abraçá-la e a conversa fluía sem fim. Parecia
que nos conhecíamos de um lugar além do tempo e espaço. São almas que se
reencontram na Terra para fazer Arte, para fazer Teatro, Dançar, Performar,
escrever textos, roteiros, poemas, rir, se abraçar, e simplesmente viver em um
mundo cinza, mas que a Arte pode transmutar em algo mais feliz e sereno.
A arte pode sim, trazer esperança, e curar as almas perdidas no limbo que vivemos atualmente, poderemos transmutar tudo isso, acredito.
Sem dúvida, as Satyrianas é um festival abençoado por todos
os deuses do teatro. Evoé Dionísio! Evoé Zé!
A Bailarina e performer, Teresa Ricco
Foto : Thereza Nardeli |
Galeria Olido / Foto: Zé do Carmo |
Registros das Satyrianas passadas
Eu e Ivam Cabral |
Eu e Rodolfo García Vázquez |
Minha Performance ao lado da Nalu Liraci : Tinta e Despedidas
Satyrianas 2023
Imagens das Satyrianas de 2023
Eu e o Eduardo Chagas |
Eu e Mariana França |
Minha Parceira de trabalho e amiga Nalu Liraci |
Casa Nua |
Eu e o Hugo / Casa Nua |
Casa Nua |
Foto: Ana Castro / ADAAP |
Foto: Ana Castro / ADAAP |
Foto: Ana Castro / ADAAP |
Foto: Ana Castro / ADAAP |
Arquivo pessoal |
Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário... |
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